sábado, 24 de novembro de 2018

A posse ou o porte de arma de fogo desmuniciada configura crime?

Publicado por Clóvis Jr As sábado, 24 de novembro de 2018  | Sem Comentarios

Inicialmente devemos apresentar a distinção entre porte e posse de arma de fogo. Senão vejamos. A posse é quando a pessoa possui uma arma de fogo sob sua guarda, podendo ser em sua casa, em uma casa de campo ou até mesmo em sua empresa de trabalho, e isso também se aplica à acessórios ou munições para essa arma de fogo. Caso a posse seja ilegal, ou seja, sem a aprovação necessária, a pessoa responsável pela arma de fogo pode ser presa e condenada à prisão, cumprindo uma pena de até 3 anos, além também do pagamento de multa. O art. 12 da Lei 10.826/2003 diz:

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena: detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
O porte, por sua vez, pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou local de trabalho, é quando a pessoa transporta, adquire, fornece, empresta ou mantém uma arma ou munições sob sua guarda. Como por exemplo, sair à rua portando essa arma para uma caça. Caso essa pessoa esteja de porte de uma arma sem a devida autorização a pena prevista é de detenção de 2 a 4 anos e o pagamento de multa. O art. 14 da Lei 10.826/2003 ensina:
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (Vide Adin 3.112-1)
Agora, com devida vênia, podemos responder o questionamento do título da matéria. SIM, tanto a posse como o porte de arma de fogo configuram crime, ainda que a arma esteja desmuniciada. Ademais, atualmente, esse entendimento é pacífico tanto no STF como STJ.
Segundo a jurisprudência, a simples posse ou porte de arma, munição ou acessório de uso permitido – sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar – configura os crimes previstos nos arts. 12 ou 14 da Lei nº 10.826/2003. Haja vista que, por serem delitos de perigo abstrato, é irrelevante o fato da arma apreendida estar desacompanhada de munição, tendo em vista que o bem jurídico tutelado é a segurança pública e a paz social.
No STF, a antiga tendência, era a de se considerar o porte de arma desmuniciada como fato atípico, por afronta ao Princípio da Ofensividade, exceto se possível fosse o pronto municiamento. Para o STJ, não se aplicava o referido princípio aos crimes de perigo abstrato, portanto, para a 5ª Turma do STJ, o porte de arma desmuniciada seria de fato atípico (é caso de tutela penal antecipada ou preventiva)
Até fevereiro de 2011, o Plenário do STF não havia se manifestado sobre o tema, mas já haviam se manifestado de forma favorável à tipicidade da arma desmuniciada os Ministros Carlos Britto e Ellen Gracie. Em sentido contrário: Eros Grau, Joaquim Barbosa e Cesar Peluso, defenderam a ausência de ofensividade da conduta. Vale lembrar que Eros Grau e Joaquim Barbosa ressalvavam a tipicidade do porte de munição em virtude de ser o crime de perigo abstrato.
Por outro lado, as 5ª e 6ª Turmas do STJ assumiram, de forma inicial, posicionamentos antagônicos acerca da tipicidade porte de arma de fogo desmuniciada. Para a 6ª Turma, tratava-se de fato atípico, pois o artefato, nessa situação, não teria eficácia suficiente para expor o bem jurídico tutelado à lesão significativa. Já a 5ª Turma entendia que o porte de arma de fogo desmuniciada seria fato típico. A ministra Laurita Vaz ensinou:
“O legislador ao criminalizar o porte clandestino de armas e munições preocupou-se, essencialmente, com o risco que a posse ou o porte de armas de fogo ou de munições, à deriva do controle estatal, representa para bens jurídicos fundamentais, tais como a vida, o patrimônio, a integridade física, entre outros. Assim, antecipando a tutela penal, pune essas condutas antes mesmo que representem qualquer lesão ou perigo concreto.”
É importante lembrar que, se a arma estiver desmuniciada, mas houver possibilidade de pronto municiamento, não há que se falar em atipicidade da conduta por ausência de ofensividade ao bem jurídico, haja vista que deve ser conferido idêntico tratamento para as hipóteses de armamento carregado, conforme orientação do STF.
Com a evolução da jurisprudência do STF e do STJ dos últimos anos, a 6ª Turma do STJ passou a amparar o mesmo entendimento da 5ª Turma, ou seja, o de que o porte de arma de fogo é crime de mera conduta e de perigo abstrato, ainda que desmuniciada, o fato é típico. Esse entendimento passou a ser seguido também pela 1ª Turma do STF e, mais recentemente, em 2013, pela 2ª Turma do STF.
Concluindo:
No Supremo Tribunal Federal (STF):
1ª Turma: o crime de porte ilegal de arma de fogo é de perigo abstrato, que não exige demonstração de ofensividade real para sua consumação, sendo irrelevante para sua configuração encontrar-se a arma municiada ou não (HC 103539/RS, DJe 17/05/2012). O fato é típico.
2ª Turma: o porte de arma é crime de mera conduta, sendo suficiente a ação de portar ilegalmente a arma de fogo, ainda que desmuniciada (HC 95073/MS, DJe 11/04/2013). O fato é típico.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ):
5ª Turma: o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, por ser delito de perigo abstrato, cujo objeto jurídico imediato é a segurança coletiva, subsume-se aos tipos descritos nos arts. 14 e 16 da Lei nº 10.826/03, não havendo se falar em atipicidade da conduta (AgRg no REsp 281293/MG, DJe 05/04/2013). O fato é típico.
6ª Turma: é irrelevante estar a arma desmuniciada ou aferir sua eficácia para configuração do tipo penal de porte ilegal de arma de fogo, por se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato (HC 158835/RS, DJe 07/03/2013). O fato é típico.
Clóvis Júnior tem 23 anos, é advogado com OAB número 19.009 da seccional do Maranhão. Graduou-se em 2017 pela Universidade Ceuma. Apresentou monografia cujo o tema foi "ATIVISMO JUDICIAL: CHEGAMOS A UMA NOVA ERA, A DA DITADURA DO PODER JUDICIÁRIO". Atualmente cursa a pós graduação Direito Público com ênfase em Gestão Pública pelo Damásio Educacional. Facebook e Instagram: cloviiisjuniior.

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Vida de Estudante de Direito

Um blog feito por estudantes...

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