Inicialmente devemos apresentar a distinção entre porte e posse de arma de fogo. Senão vejamos. A posse é quando a pessoa possui uma arma de fogo sob sua guarda, podendo ser em sua casa, em uma casa de campo ou até mesmo em sua empresa de trabalho, e isso também se aplica à acessórios ou munições para essa arma de fogo. Caso a posse seja ilegal, ou seja, sem a aprovação necessária, a pessoa responsável pela arma de fogo pode ser presa e condenada à prisão, cumprindo uma pena de até 3 anos, além também do pagamento de multa. O art. 12 da Lei 10.826/2003 diz:
Art. 12. Possuir ou manter sob sua
guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou
dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular
ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena: detenção, de 1 (um)
a 3 (três) anos, e multa.
O porte, por sua vez, pressupõe que a
arma de fogo esteja fora da residência ou local de trabalho, é
quando a pessoa transporta, adquire, fornece, empresta ou mantém uma arma ou
munições sob sua guarda. Como por exemplo, sair à rua portando essa arma para
uma caça. Caso essa pessoa esteja de porte de uma arma sem a devida autorização
a pena prevista é de detenção de 2 a 4 anos e o pagamento de multa. O art. 14 da Lei 10.826/2003
ensina:
Art. 14. Portar, deter, adquirir,
fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que
gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma
de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo
com determinação legal ou regulamentar:
Pena: reclusão, de 2
(dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é
inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
(Vide Adin 3.112-1)
Agora,
com devida vênia, podemos responder o questionamento do título da matéria. SIM, tanto a posse como o porte de arma
de fogo configuram crime, ainda que a arma esteja desmuniciada. Ademais,
atualmente, esse entendimento é pacífico tanto no STF como STJ.
Segundo
a jurisprudência, a simples posse ou porte de arma, munição ou acessório de uso
permitido – sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar
– configura os crimes previstos nos arts. 12 ou 14 da Lei nº 10.826/2003. Haja vista
que, por serem delitos de perigo abstrato, é irrelevante o fato da arma
apreendida estar desacompanhada de munição, tendo em vista que o bem jurídico
tutelado é a segurança pública e a paz social.
No STF, a antiga tendência, era a de se considerar o porte de
arma desmuniciada como fato atípico, por afronta ao Princípio da Ofensividade, exceto se possível fosse o pronto municiamento. Para o STJ, não se aplicava o referido princípio aos crimes de perigo abstrato, portanto, para a 5ª Turma do STJ, o porte de arma desmuniciada seria de fato atípico (é caso de tutela penal antecipada ou preventiva)
Até
fevereiro de 2011, o Plenário do STF não havia se manifestado sobre o tema, mas
já haviam se manifestado de forma favorável à tipicidade da arma desmuniciada
os Ministros Carlos Britto e Ellen Gracie. Em sentido contrário: Eros Grau,
Joaquim Barbosa e Cesar Peluso, defenderam a ausência de ofensividade da
conduta. Vale lembrar que Eros Grau e Joaquim Barbosa ressalvavam a tipicidade
do porte de munição em virtude de ser o crime de perigo abstrato.
Por outro
lado, as 5ª e 6ª Turmas do STJ assumiram, de forma inicial, posicionamentos
antagônicos acerca da tipicidade porte de arma de fogo desmuniciada. Para a 6ª
Turma, tratava-se de fato atípico, pois o artefato, nessa situação, não teria
eficácia suficiente para expor o bem jurídico tutelado à lesão significativa.
Já a 5ª Turma entendia que o porte de arma de
fogo desmuniciada seria fato típico. A ministra Laurita Vaz ensinou:
“O legislador ao criminalizar o porte clandestino de armas e
munições preocupou-se, essencialmente, com o risco que a posse ou o porte de
armas de fogo ou de munições, à deriva do controle estatal, representa para
bens jurídicos fundamentais, tais como a vida, o patrimônio, a integridade
física, entre outros. Assim, antecipando a tutela penal, pune essas condutas
antes mesmo que representem qualquer lesão ou perigo concreto.”
É importante lembrar que, se a arma estiver desmuniciada, mas
houver possibilidade de pronto municiamento, não há que se falar em atipicidade
da conduta por ausência de ofensividade ao bem jurídico, haja vista que deve
ser conferido idêntico tratamento para as hipóteses de armamento carregado,
conforme orientação do STF.
Com a evolução da jurisprudência do STF e do STJ dos últimos
anos, a 6ª Turma do STJ passou a amparar o mesmo entendimento da 5ª Turma, ou
seja, o de que o porte de arma de fogo é crime de mera conduta e de perigo
abstrato, ainda que desmuniciada, o fato é típico. Esse entendimento passou a
ser seguido também pela 1ª Turma do STF e, mais recentemente, em 2013, pela 2ª
Turma do STF.
Concluindo:
No
Supremo Tribunal Federal (STF):
• 1ª
Turma: o crime de porte ilegal de arma de fogo é de perigo abstrato, que não
exige demonstração de ofensividade real para sua consumação, sendo irrelevante
para sua configuração encontrar-se a arma municiada ou não (HC 103539/RS, DJe
17/05/2012). O fato é típico.
• 2ª
Turma: o porte de arma é crime de mera conduta, sendo suficiente a ação de
portar ilegalmente a arma de fogo, ainda que desmuniciada (HC 95073/MS, DJe
11/04/2013). O fato é típico.
No
Superior Tribunal de Justiça (STJ):
• 5ª
Turma: o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, por ser delito de perigo
abstrato, cujo objeto jurídico imediato é a segurança coletiva, subsume-se aos
tipos descritos nos arts. 14 e 16 da Lei nº 10.826/03, não havendo se falar em
atipicidade da conduta (AgRg no REsp 281293/MG, DJe 05/04/2013). O fato é
típico.
• 6ª
Turma: é irrelevante estar a arma desmuniciada ou aferir sua eficácia para
configuração do tipo penal de porte ilegal de arma de fogo, por se tratar de
delito de mera conduta ou de perigo abstrato (HC 158835/RS, DJe 07/03/2013). O
fato é típico.
Clóvis
Júnior tem 23 anos, é advogado com OAB número 19.009 da seccional do Maranhão.
Graduou-se em 2017 pela Universidade Ceuma. Apresentou monografia cujo o tema
foi "ATIVISMO JUDICIAL: CHEGAMOS A UMA NOVA ERA, A DA DITADURA DO PODER
JUDICIÁRIO". Atualmente cursa a pós graduação Direito Público com ênfase
em Gestão Pública pelo Damásio Educacional. Facebook e Instagram:
cloviiisjuniior.